terça-feira, 4 de agosto de 2015

E AGORA JOSÉ - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Voz de Rômulo Rostand

E agora, José?
A festa acabou
A luz apagou
O povo sumiu
A noite esfriou

E agora, José?
E agora, Você?
Você que é sem nome, que zomba dos outros
Você que faz versos, que ama, protesta
E agora, José?


Está sem mulher
Está sem discurso
Está sem carinho
Já não pode beber, já não pode fumar
Cuspir já não pode

A noite esfriou, o dia não veio
O bonde não veio, o riso não veio
Não veio a utopia e tudo acabou
E tudo fugiu e tudo mofou
E agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra, seu instante de febre
Sua gula e jejum, sua biblioteca
Sua lavra de ouro, seu terno de vidro
Sua incoerência, seu ódio e agora?

Com a chave na mão quer abrir a porta
Não existe porta
Quer morrer no mar, mas o mar secou
Quer ir para Minas, Minas não há mais
José, e agora?

Se você  gritasse, se você gemesse
Se você tocasse a valsa vienense
Se você dormisse, se você cansasse
Se você morresse....
Mas você não morre

Você é duro, José!
Sozinho no escuro qual bicho-do-mato
sem teogonia
Sem parede nua para se encostar
Sem cavalo preto que fuja a galope

Você marcha, José!
José, para onde?


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"E agora José"  foi musicado por Paulo Diniz em 1974. A gravação fez grande sucesso, ¹a ponto do próprio Carlos Drummond de Andrade declarar que não conseguia mais pensar em seu poema, sem desvinculado da melodia de Paulo Diniz. (¹ informação extraída do site Música em Prosa )

** O poema "E Agora José" tem sido objeto de estudo de diversos trabalhos acadêmicos. Abaixo reproduzimos o trabalho publicado no site da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, na página: http://w3.ufsm.br/literaturaeautoritarismo/revista/num3/ass07/pag01.html

"Em conformidade com a ideia de que texto e contexto devem estar interligados, na análise do poema José  deve-se levar em consideração alguns traços sociológicos que contribuem para a atribuição de sentido ao texto. Cabe aqui lembrar que o poema está intimamente relacionado a acontecimentos históricos, os quais projetam consequências que repercutem no ambiente nacional e deixam marcas profundas na sociedade.

O poema foi publicado em 1942, ano de atuação do Estado Novo no Brasil. Desse fato decorre uma série de acontecimentos políticos e econômicos que irão assinalar a sociedade brasileira, tais como a repressão política; o preconceito institucional; a precariedade das condições de trabalho; a modernização industrial; a implantação e a afirmação de condutas autoritárias; a urbanização dispersiva. Esses acontecimentos tornam-se agravantes da situação de miséria enfrentada pela população e resultaram em uma disjuntura social. Desta, originou-se, principalmente, a desigualdade de privilégios concedidos à sociedade, intensificando, ainda mais, a formação de classes opressoras e oprimidas.

A figura de José vem nesse poema, justamente como representação de um problema coletivo. O poema todo está centrado na reflexão sobre a existência de José que resiste e segue vivendo. Começa e termina de forma interrogativa o que vem enfatizar o problema do direcionamento da existência.

Nos 5 primeiros versos tem-se a sensação de perda, de esvaziamento, que é transmitida através de uma seqüência de imagens que denotam uma situação sem saída.

O verso 7 apresenta-se de maneira ambígua. Drummond utiliza-se desse recurso com o intuito de chamar atenção do leitor, pois diante desta estratégia pode-se inferir que José tornou-se o interlocutor, ou então, que o leitor se identifica como José, sendo que tudo que é dito de José pode ser dito do leitor.

O caráter genérico do nome José, que serviria então para designar o ser humano em geral, transmite uma idéia de indiferença diante daquilo que não tem nome (v.8). Ou seja, José é apenas mais um na multidão.
Nos versos 13 a 18 o sujeito encontra-se sem condições de expressão. É assinalada a carência e a solidão vivenciadas pelo indivíduo que está impedido de seguir certos impulsos. O uso reiterado das expressões sem e não contribuem para reforçar a noção de carência que define a atmosfera do poema.

Os versos 19 a 27 trazem novamente a idéia de esvaziamento através do uso da expressão não veio. Esta idéia é enfatizada pela repetição do vocábulo tudo que denota generalização do vazio.

Na seqüência dos versos registra-se a inutilidade das tentativas de José para resolver seu problema. Nem os versos, nem o delírio, nem as leituras, nem a riqueza, nem a revolta, metaforizadas no texto, se mostraram suficientes para vencer a crise.

Para expressar a precariedade da existência de José, Drummond utiliza-se de expressões sem continuidade semântica, frases coordenativas, nas quais não há uma ligação das idéias entre si. Os termos não apresentam coerência do ponto de vista lógico. Nestes versos o sujeito remete ao passado e faz referências de forma fragmentária, pois todos os referenciais foram destruídos, o que fez com que se perdesse o sentido da existência.

Nos versos 45 a 51, a utilização dos verbos no imperfeito do subjuntivo compondo orações condicionais, anuncia a possibilidade de mudança que o verso seguinte desmente. Isso vem evidenciar que não há resolução para a dúvida em relação ao futuro, já que nem mesmo morrer vale a pena, pois não resolveria o problema.

O uso do verbo marcha expressa a única reação de José, que, sem ter nenhuma forma de apoio, nenhuma forma de liberdade, privado de qualquer recurso – parede nua, teologia, cavalo preto – recorre ao seu próprio corpo.

A riqueza de detalhes, o uso de linguagem subjetiva, a descontinuidade temática, a fragmentação da forma, o uso de figuras de linguagem, são recursos utilizados constantemente nos poemas de Drummond. Isso se deve ao fato dele incorporar em sua produção elementos da sociedade que se encontrava desestruturada e em conflito devido aos mandos e desmandos da elite para atender as exigências do  mercado capitalista."

 

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